Cartão Vermelho: as conversas secretas de Luís Filipe Vieira
Subornos a diretores do Novo Banco, fraude fiscal nas transferências, venda de apartamentos de luxo a empresários e como o ex-presidente do Benfica escondeu património entre a família. Novos dados do processo, a que a SÁBADO teve acesso, revelam que o MP quer ainda investigar os negócios de 55 jogadores.
Surreal.” Foi este o adjetivo
escolhido pelo inspetor tributário Paulo Silva para descrever um
negócio entre Luís Filipe Vieira e José António Santos, o Rei dos
Frangos, acompanhado a par e passo nas escutas telefónicas da Operação
Cartão Vermelho, a que a SÁBADO teve acesso.
O dito surrealismo identificado pelo investigador não dizia
respeito ao negócio em si, mas ao facto de a parte vendedora, o Novo
Banco, estar a negociar um pacote de imóveis com um dos seus principais
devedores.
Luís Filipe Vieira, José António Santos, o Rei
dos Frangos, o empresário Bruno Macedo e Tiago Vieira, filho do
ex-presidente do Benfica, foram detidos em julho do ano passado por
suspeitas, entre outros crimes, de burla qualificada, abuso de confiança
e branqueamento de capitais.
Atualmente, todos se encontram em liberdade, após terem pago as
respetivas cauções. Nas últimas semanas, a SÁBADO teve acesso a novos
elementos do processo Cartão Vermelho, os quais mostram que a
investigação do Ministério Público (MP) e da Autoridade Tributária (AT)
está a varrer toda a vida patrimonial e financeira da família de Luís
Filipe Vieira, as suas relações com a banca e com José António Santos, e
todos os grandes negócios que fez enquanto presidente do Benfica. Nos
documentos a que a SÁBADO teve acesso, os
investigadores não transcreveram os diálogos recolhidos nas centenas de
escutas telefónicas, apresentando-os ao juiz de instrução Carlos
Alexandre na forma de resumo.
Os negócios com o Novo Banco
Foi
no fim de 2019, e enquanto ouvia as escutas telefónicas em curso no
processo de Vieira, que Paulo Silva acabaria por apanhar uma operação de
compra de imóveis e cedência de créditos por parte do Novo Banco a um
grupo de investidores composto por Luís Filipe Vieira, o empresário
Avelino Carvalho e com a participação financeira de José António Santos.
Por 15 milhões de euros (financiados pelo Rei dos Frangos), os três
compraram um pacote ao Novo Banco que incluiu três imóveis e dois
créditos hipotecários.
“Ao nível do comprador, as negociações foram
efetuadas por Luís Filipe Vieira, José António Santos e Avelino
Carvalho”, descreveu o inspetor tributário num dos relatórios que
produziu no processo Cartão Vermelho, referindo, porém, que “em termos
formais”, o negócio encontrava-se “apenas associado a familiares de José
António Santos, mais especificamente à sua esposa”.
Com o nome de Luís Filipe Vieira fora dos documentos, o Fundo de
Resolução acabaria por dar autorização ao acordo. A 27 de dezembro foram
assinados os respetivos contratos-promessa, com o Novo Banco a perder
2,4 milhões de euros com o negócio, já que a dívida associada aos cinco
imóveis ascendia a 17,4 milhões. Mas, ainda que formalmente ausente, o
então presidente do Benfica estava mais do que presente no negócio e
Paulo Silva constatou isso mesmo através de um pormenor: o acordo entre o
banco e os investidores foi, segundo a investigação, assinado “num
camarote do Estádio da Luz”.
O que levou Paulo Silva a comentar: “Ora, é precisamente
Luís Filipe Vieira, um dos grandes devedores do Novo Banco, tendo até
avales pessoais prestados, que se apresenta como comprador de
imóveis/créditos por 15 milhões de euros e numa altura em que outras
decisões quanto às dívidas daquele Grupo se encontram em discussão
naquele banco, é no mínimo surreal que se aprove estas vendas dentro do
banco a este investidor ‘endividado’.”
Ano e meio depois deste factos, o tal “investidor
endividado” estaria sentado na Comissão Parlamentar de Inquérito ao Novo
Banco. Foi a 10 de maio de 2021 que Luís Filipe Vieira prestou
declarações perante os deputados que estavam a investigar a gestão do
banco nascido após o fim do Banco Espírito Santo, em agosto de 2014.
Nas semanas que antecederam a audição, a investigação do
Cartão Vermelho registou muito movimento nos telefones. Logo a 29 de
abril, João Castro Simões, identificado como quadro do Novo Banco,
telefonou a Luís Filipe Vieira para, de acordo com o resumo da conversa,
“ver se ele tinha disponibilidade para conversarem um pouco”, dizendo
ainda que “António Ramalho lhe pediu para ver se conseguia agendar” uma
reunião.
CEO prepara devedor para a Comissão
Neste
mesmo dia, Castro Simões confirmou o agendamento da reunião entre
Vieira e Ramalho com Tiago Vieira, filho do ex-presidente do Benfica,
que ficou à frente das várias empresas do grupo Promovalor.
“Estes encontros de ‘preparação’ vem ainda mais evidenciar a
preocupação, de parte a parte, que o devedor e o credor têm com a
Comissão Parlamentar, em tentativas de concentração de posições entre
pessoas que (…) tiveram intervenções que se indiciam lesivas
monetariamente para o Novo Banco que, em face do mecanismo de capital
contingente, foram transferidas para o Fundo de Resolução”, comentou o
inspetor tributário Paulo Silva, numa informação para o procurador
Rosário Teixeira.
Em resposta à SÁBADO, o Novo Banco declarou ser “normal o
CEO reunir-se com grandes clientes”. E que o encontro com Luís Filipe
Vieira “foi preparado com o diretor João Castro Simões e teve por objeto
dar nota da total disponibilidade do banco e prestar a informação
necessária à preparação do depoimento” do então presidente do Benfica. O
grande devedor, acrescentou o banco, “tinha crédito reestruturado, mas
não estava em incumprimento”.
A 7 de julho de 2020, António Ramalho, Rui Fontes e João
Castro Simões foram três alvos da busca que decorreu nas instalações do
Novo Banco. Além de documentos, a investigação recolheu ainda cópias do
conteúdos dos respetivos computadores e caixas de correio eletrónico.
Suborno a diretores
Mas os
alvos dos elementos da Autoridade Tributária e da PSP que efetuaram as
buscas não se limitaram a quadros de topo. Da área de trabalho de Álvaro
Neves, jurista do Novo Banco, também foi recolhida documentação e feita
cópia informática. O jurista é suspeito de, como refere o despacho de
indiciação da Operação Cartão Vermelho, manter um “relacionamento
privilegiado” com o grupo de empresários sob suspeita. Aliás, de acordo
com as escutas telefónicas, foi Álvaro Neves que liderou, por parte do
Novo Banco, o processo de venda de cinco imóveis classificado como
“surreal” pelo inspetor tributário.
A investigação detetou, aliás, que a mulher, Raquel
Morgado, recebeu 50 mil euros da sociedade Palpites e Teorias, uma
empresa detida em partes iguais por Sara Vieira, filha de Luís Filipe
Vieira, José António Santos e a mãe do empresário Avelino Carvalho. Num
relatório de informação sobre as escutas telefónicas, Paulo Silva refere
que Álvaro Neves é “influenciado” pelos “parceiros de negócios”,
verificando-se que “os mesmos se reúnem nos camarotes durante os jogos
do Benfica ou nas deslocações do clube a países estrangeiros”.
E, para cimentar a suspeita, há uma escuta telefónica entre
José António Santos e Avelino Carvalho, na qual o Rei dos Frangos
refere ter dito “à mulher dele (Álvaro Neves) durante o jogo do Benfica
para ela ‘apertar’ com o marido senão ‘nunca mais vem nada e você não
tem emprego’. José António diz que ela lhe disse para ficar descansado
que o marido está a trabalhar nisso e que ia ‘apertar’ com ele”.
A rede de escutas telefónicas montada por Paulo Silva
e Rosário Teixeira viria a revelar outro suspeito no interior do Novo
Banco: Pedro Pereira, diretor-adjunto do Departamento de Seguimento e
Acompanhamento de Empresas (DSAE), referido em várias escutas
telefónicas como o “contacto” de Diogo Chalbert Santos, consultor da
Iberis Semper, a entidade que montou o fundo Portugal Restructuring Fund
que acabaria por comprar os créditos da sociedade Imosteps, entretanto
vendidos pelo Novo Banco a outro fundo. Esta empresa, recorde-se, está
no centro das suspeitas da relação entre o ex-presidente do Benfica e o
Novo Banco.
Foi também durante a busca de 7 de julho que os investigadores
fizeram uma descoberta num módulo de três gavetas que se encontrava no
posto de trabalho de Pedro Pereira: dentro da segunda gaveta, o gestor
guardava 13 mil euros em notas de 20, 10 e 50 euros. No terceiro
compartimento, mais dinheiro em “cash” dentro de três sacas cartonadas:
19 mil dólares e mais 127 mil euros.
Este “achamento” levou a procuradora Joana César de Campos a
ordenar imediatamente a apreensão dos valores, justificando com o facto
de Pedro Pereira ser “visado nos autos enquanto diretor-adjunto da
DSAE, tendo mantido relacionamento com os suspeitos identificados nos
autos no acesso à informação e procedimento de venda dos créditos da
Imosteps”.
Mas o caso de Pedro Pereira não ficou por aqui. A 15 de
julho, o procurador Rosário Teixeira, em despacho, fez saber que através
dos procedimentos de prevenção do branqueamento de capitais o
Ministério Público foi informado da existência de um cofre em nome de
Pedro Pereira e da mulher, Etelvina Gonçalves Pereira. Mais: a 9 de
julho de 2021, dois dias após a busca que lhe foi efetuada ao seu posto
de trabalho, o gestor bancário tentou aceder ao conteúdo do cofre,
“tendo o Novo Banco se abstido de lhe conceder esse acesso”, referiu o
procurador, ordenando a suspensão de qualquer operação de acesso ao
conteúdo do tal cofre.
A abertura do cofre 1.239 acabaria por ocorrer a 29 de
setembro do ano passado. Ao juiz Carlos Alexandre e à procuradora Joana
César de Campos, Pedro Pereira “declarou que no interior encontravam-se
peças em ouro e numerário, no valor aproximado de 50 mil dólares e 61
mil euros”. O que foi confirmado, tendo o juiz ordenado a apreensão do
dinheiro. Entretanto, o Novo Banco iniciou um processo disciplinar
contra o diretor-adjunto.
Em relação a Álvaro Neves e Pedro Pereira, o Novo Banco
adiantou à SÁBADO que o primeiro está suspenso, na sequência de um
processo disciplinar. Já o segundo foi despedido após a conclusão de um
processo disciplinar.
As escutas telefónicas mostram que Vieira se movimentava
muito bem, não só no Novo Banco, mas também noutras instituições, como o
Banco Português de Gestão (BPG), controlado pela Fundação Oriente. No
fim de 2018, foi o próprio presidente do Conselho de Administração deste
último banco, Carlos Monjardino, que alertou o então presidente do
Benfica para a receção de uma carta com um aviso de dívida vencida, com o
capital e os juros a atingirem uma soma de 5,7 milhões de euros, num
crédito de 8,5 milhões à sociedade Highcastle.
O caso ficaria encerrado com uma sociedade de José António
Santos, a Página Relâmpago, a comprar a dívida ao BPG por 4,1 milhões,
ficando o banco a perder cerca de 2 milhões de euros com Luís Filipe
Vieira. “A decisão do Conselho de Administração de alienar o crédito
referido à sociedade Highcastle – Promoção Imobiliária e Turismo, SA,
pelo valor mencionado de 4,1 milhões de euros resultou de uma cuidadosa
ponderação das alternativas existentes, com vista à melhor defesa dos
interesses do Banco”, respondeu o BPG à SÁBADO.
Durante a “negociação”, Luís Filipe Vieira até informou
Monjardino de que já tinha uma empresa pronta a comprar a dívida,
enquanto o presidente do BPG lhe ia referindo estar a ver se conseguia
“fazer passar aquilo no banco”. Página Relâmpago, disse Vieira,
referindo-se ao nome da empresa, acrescentando que lhe deu “vontade de
rir” quando o advogado de José António Santos lhe enviou os dados da
sociedade que ia comprar tal dívida.
John Textor e Carlos Janela
De
acordo com o Ministério Público, Luís Filipe Vieira e José António
Santos montaram ainda um esquema que passava pela venda de 25% do
capital da SAD do Benfica, detido pelo Rei dos Frangos, ao investidor
norte-americano John Textor. Mas este, segundo as conversas escutadas,
não terá sido o primeiro investidor a mostrar interesse. Nas primeiras
conversas intercetadas a Luís Filipe Vieira e a Carlos Janela, que
mantinha um vínculo ao departamento de comunicação do Benfica, sobre o
tema das ações é feita uma referência a Chip Sloan, que seria um
representante americano dos interessados.
As conversas evoluem posteriormente para John Textor, que até se
apresentou publicamente como investidor interessado. Por sua vez, Carlos
Janela (que também esteve vários meses sob escuta) ia mantendo Luís
Filipe Vieira e José António Santos informados sobre os vários
desenvolvimentos do processo. No interior do Benfica, Hugo Ribeiro,
funcionário do departamento internacional do clube, também estava a par
de todos os passos, mostrando mesmo estar por dentro do negócio.
Aliás, quando este se concretizou, Hugo Ribeiro e
Janela foram escutados a “delinear estratégias para o recebimento da
comissão pela intermediação do negócio”, refere a investigação,
acrescentando ter sido a intenção dos dois “criar uma estrutura fora de
Portugal” para receber o dinheiro. Ambos até especularam sobre a entrada
de Hugo Ribeiro para a administração da SAD, uma vez que John Textor –
num cenário efetivo de compra dos 25% – pretenderia nomear dois
administradores.
A família como refúgio de património
Mais
preocupada com a conservação das tartarugas marinhas e a gestão
sustentável dos ecossistemas costeiros, em São Tomé e Príncipe e na
Guiné-Bissau, Sara Vieira, bióloga na ONG Programa Tatô, declara um
rendimento anual de pouco mais de 37 mil euros. A radiografia financeira
da família de Luís Filipe Vieira, feita pela investigação da Operação
Cartão Vermelho, revela, porém, outra realidade: a filha do
ex-presidente do Benfica tinha 22 imóveis em seu nome, assim como por
sete contas bancárias por ela tituladas circularam milhões de euros, nos
últimos anos.
Com Sara Vieira fora do País, Tiago Vieira e os pais tinham
poderes para movimentar as contas, as quais, de acordo com a
investigação, serviriam para fazer circular dinheiro entre a família e
os negócios de Luís Filipe Vieira. Só por uma conta titulada por Sara
Vieira no ST Galler Kantonalbank passaram 6,2 milhões de euros, entre
2009 e 2010. “Conforme se pode verificar, as entrada ocorridas têm todas
origem em fundos de Luís Filipe Vieira. Do mesmo modo, também as saídas
mais relevantes verificadas posteriormente vão ter como destino Luís
Filipe Vieira, sendo possível verificar que houve o cuidado de colocar
como descritivo ‘doação’”, assinalou a investigação.
Exemplo desta partilha de contas bancárias é uma escuta
telefónica entre Tiago Vieira e a mãe, Vanda Vieira, a 10 de março de
2020: “Tiago explica à mãe que a WHITE WALLS vai fazer uma transferência
para a conta de Sara, mas que depois Folgado explica melhor (António
Folgado, funcionário da família Vieira), que depois Vanda vai ter de
efetuar uma transferência... “uma parte é para o pai, outra parte é aqui
para a PROMOVALOR”. Vanda responde a Tiago “tens de me dar os IBANs que
eu já trato disso tudo”. Tiago refere não ser preciso, pois “ele“
(António Folgado) trata disso tudo com Vanda, que era só para esta não
ser apanhada de surpresa, pois “ainda são 200 e tal mil euros”... que
vão para a conta de Sara e depois saem para se fazer pagamentos...”.
Noutra conversa, desta vez entre pai e filha, Luís
Filipe Vieira pede a Sara para assinar um papel “da empresa que temos
que vender”, que também estava em nome da sua filha. Estes e outros
contactos reforçaram a suspeita de que, de facto, Luís Filipe Vieira
continuava à frente dos negócios da família, ainda que o seu nome
tivesse desaparecido dos órgãos sociais das várias sociedades.
É num extenso relatório sobre a vida patrimonial e financeira da
família de Luís Filipe Vieira que se se encontram as suspeitas de que,
nos últimos anos, o ex-presidente do Benfica passou grande parte do seu
património para nome dos filhos, utilizando-os para parquear imóveis ou
para colocar dinheiro a circular entre as suas contas bancárias, assim
como Tiago Vieira assumiu, formalmente, a condução dos negócios do grupo
Promovalor e de outras empresas. Isto mesmo é realçado pelo inspetor
tributário Paulo Silva, que fez questão de salientar que não foi
detetado nada que indicie que Sara Vieira tenha uma participação ativa
nos negócios e nas movimentações de capital.
Pelo contrário: “Também nas contas bancárias se verifica que são
efetuados movimentos aos quais Sara Vieira será alheia, o que confirma
as suspeitas de que, pelo menos, parte do património financeiro,
mobiliário e imobiliário se encontra no nome de Tiago e Sara Vieira
apenas para não constar o nome de Luís Filipe Vieira, uma vez que este
deu como garantias avales pessoais a créditos assumidos pelas suas
empresas”, referiu Paulo Silva, num relatório de informação dirigido ao
procurador Rosário Teixeira.
Os negócios dos jogadores
Indiciado
por crimes de burla qualificada, abuso de confiança, falsificação de
documentos, branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada e abuso
de informação privilegiada, a avaliar pela extensão do processo Cartão
Vermelho, Luís Filipe Vieira tem pela frente um campeonato judicial com
dezenas de jornadas. Se, no que diz respeito ao Benfica, em julho,
quando foi detido, as suspeitas da investigação recaíam sobre as
transferências de três jogadores, os últimos dados do processo revelam
que a Autoridade Tributária quer investigar 55 jogadores que passaram
pelo Benfica, que estarão ligados a quatro empresários: além de Bruno
Macedo, há suspeitas sobre Ulisses Santos, Isidoro Giménez e Giuliano
Bertolucci.
Este último estava, aliás, a ser investigado em três
processos diferentes: dois no Departamento Central de Investigação e
Ação Penal, denominados Cartão Vermelho e Prolongamento (FC Porto), e
outro no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, e
as investigações ligadas ao Benfica coincidam na suspeita: a
transferência de Pedro Delmino da Silva, Pedrinho, do Corinthians, do
Brasil, por 18 milhões de euros (jogador, entretanto, vendido ao
Shakhtar Donetsk, da Ucrânia, pelo mesmo valor).
Giuliano Bertolucci e Bruno Macedo terão recebido comissões
de ambas as partes do negócio, Benfica e Corinthians. Isto é o que
indiciam documentos apreendidos na casa do empresário de Braga,
constituído arguido no processo e sujeito a uma caução de 300 mil euros.
Só que, segundo a investigação do DIAP de Lisboa, numa primeira fase,
os clubes terão chegado a um acordo de 20 milhões, descendo esse valor
para os 18. Três meses após o negócio e a repartição do valor das
comissões, Giuliano Bertolucci comprou à sociedade White Walls um imóvel
em Lisboa por 3,950 milhões de euros, tendo adiantado, a título de
sinal, 790 mil euros.
“Os factos sugerem uma correlação entre a transferência do
jogador e o negócio imobiliário realizado entre a sociedade White Walls e
Giuliano Bertolucci, como eventual instrumento para a repartição de
contrapartidas com Luís Filipe Vieira”, escreveu o procurador Rosário
Teixeira, que anexou o processo do DIAP de Lisboa à Operação Cartão
Vermelho. É que Rosário Teixeira tem em sua posse várias escutas
telefónicas que descrevem todo o processo de venda do apartamento. Numa
delas, Tiago Vieira confidenciou ao seu interlocutor (Manuel Monteiro)
que para Bertolucci seria melhor “pagar a pronto” ou obter
financiamento, acrescentando que o cliente tem apartamentos em todo o
lado, Nova Iorque, Londres e Miami. Em resumo, estava “carregado de
nota”, acrescentou o filho de Luís Filipe Vieira.
O retorno de parte do dinheiro das comissões obtidas pelos
empresários é a principal suspeita do processo Cartão Vermelho no que
diz respeito à ligação entre o Benfica e a vida empresarial de Luís
Filipe Vieira. Ao todo, os inspetores tributários da AT estão a
investigar 55 jogadores que passaram pelo Benfica, como se comprova pela
leitura de um novo relatório de informação de Paulo Silva, com data de
30 de julho de 2021, ou seja já depois de a investigação ter recolhido
milhares de documentos nas buscas de 7 de julho do ano passado. Entre os
nomes referidos no documento da AT estão, além de Pedrinho, Seferovic,
Witsel, Talisca, Jonas, Weigl, Raúl de Tomás, Samaris, entre outros. No
fim, além do acesso a dados bancários, Paulo Silva pediu ao procurador a
emissão de um mandado para uma busca no Estádio da Luz.
No caso de Julian Weigl, transferido em janeiro de 2020 do
Borussia Dortmund para o Benfica, por 20 milhões de euros, a
investigação suspeita que o empresário Ulisses Santos beneficiou de uma
comissão, quando não teve qualquer intervenção no negócio.
“Do lado da Benfica SAD”, escreveu o inspetor Paulo
Silva, Luís Filipe Vieira identifica Ulisses Santos como alegado
beneficiário de uma comissão de intermediação, em que é sabido não ter
participado, sendo o sucesso da operação atribuído a Tiago Pinto”, então
diretor-geral. Numa das escutas telefónicas do processo, Tiago Pinto e
Miguel Moreira até se mostram um pouco preocupados caso o jogador, na
data de assinatura do contrato, reparasse que o documento fazia
referência a uma intermediação que não existiu (ver transcrição do
resumo).
A ordem de busca acabaria por ser emitida a 2 de agosto de 2020 (e
efetuada dois dias depois), referindo Rosário Teixeira que estavam em
causa suspeitas de “um esquema que passa por forçar a intervenção de
terceiros em negócios de compra e venda de jogadores e até de técnicos
de futebol (…), de forma a dar causa ao pagamento a esses terceiros de
aliadas comissões, as quais, porque injustificadas, vêm a gerar retornos
de fundos para as pessoas conexas com as sociedades desportivas”.
“Tal esquema”, continuou o procurador, já tinha sido – em
julho do ano passado – “imputado a Bruno Macedo, mas as diligências
entretanto realizadas suscitam a suspeita de idênticos procedimentos
terem ocorrido quanto a jogadores ou quanto a negócios em que estiveram
envolvidos Isidoro Gimenez e Ulisses Santos e entidades controladas
pelos mesmos”.
Recorde-se que, em julho do ano passado, o agente
Bruno Macedo foi detido, precisamente, devido a suspeitas de ter feito
chegar a Luís Filipe Vieira, através de operações de cessão de créditos
em empresas de Vieira e da compra de imóveis, verbas que permitiram ao
presidente do Benfica dispor de tesouraria para que as respetivas
sociedades cumprissem as suas obrigações.
Novos elementos a que a SÁBADO teve acesso
revelam que estas mesmas suspeitas também batem à porta do superagente
Jorge Mendes. A investigação recolheu uma conversa telefónica, a 11 de
janeiro de 2019, entre Luís Filipe Vieira e a filha, em que Sara Vieira
lhe fala sobre os projetos de financiamento da ONG. “O Jorge já vai
mandar os 200 mil euros que faltam… agora quando for viajar com ele já
lhe vou dizer… o Jorge Mendes ainda não mandou, vou falar com ele”,
disse o então presidente do Benfica.
Jorge Mendes é um dos alvos da investigação Cartão
Vermelho. Posto sob escuta (seis números de telefone) desde 2019, o MP
já recolheu várias conversas do empresário de Cristiano Ronaldo. Uma
delas, aliás, tem precisamente a ver com este jogador. No início de
dezembro de 2019, com Ronaldo pouco satisfeito na Juventus, Jorge Mendes
tentou o regresso ao Real Madrid, abordando o assunto com os diretores
desportivos dos dois clubes, Juventus e Real Madrid, Fabio Paratici e
José Ángel Sánchez, respetivamente.
E também com Florentino Perez, presidente do Real Madrid,
perguntando-lhe se estava disponível para fazer “uma grande operação no
Real, com o regresso de Cristiano”. E que até a poderiam fazer em
janeiro de 2020, a tempo de o Real ganhar a Champions. Por um lado,
argumentou o agente, tal seria “uma alegria” para Ronaldo que “assim
ganhava uma Bola de Ouro e que ficava a dever isso a Florentino”.
O empresário de jogadores esteve também envolvido na
transferência de João Félix para o Atlético de Madrid, oficializada pelo
Benfica em julho de 2019. De acordo com as escutas telefónicas, Luís
Filipe Vieira terá pedido a Jorge Mendes para encontrar propostas pelo
jogador, estabelecendo um mínimo: 120 milhões. O negócio seria
concretizado com o Atlético de Madrid, mas deixou muitas dúvidas aos
investigadores do Cartão Vermelho, sobretudo no que diz respeito à
operação financeira montada e se o jogador recebeu algum prémio de
assinatura que não foi declarado.
22 de novembro 2018, 18h16
Avelino Carvalho – Luís Filipe Vieira
Luís diz que está com o "nadador-salvador"… riem-se por Avelino perceber (referem-se a José António dos Santos)
28 de abril 2021, 17h06
Vítor Fernandes – António Ramalho
António
diz que vai estar com "o Luís" para o preparar também (indicia
referir-se a Luís Filipe Vieira)… fala que agora vão ouvir o Moniz da
Maia, que pode fazer asneira, porque ele é "totó" (...) António comenta
que Rui (Fontes) está muito bem preparado, vai ser monocórdico e chato,
porque os gajos não vão perceber nada do que ele vai dizer
5 de dezembro 2019, 19h58
Avelino Carvalho – José António Santos
José
António diz que disse à mulher dele (Álvaro Neves do Novo Banco)
durante o jogo do Benfica para ela "apertar" com o marido senão "nunca
mais vem nada e você não tem emprego". José António diz que ela lhe
disse para ficar descansado que o marido está a trabalhar nisso e que ia
"apertar" com ele
11 de janeiro 2019, 17h37
Sara Vieira – Luís Filipe Vieira
Luís
pergunta se está tudo bem com Sara… se está tudo bem financeiramente.
Sara diz que sim… Luís diz "o Jorge já vai mandar os 200 mil euros que
faltam… agora quando for viajar com ele já lhe vou dizer… o Jorge Mendes
ainda não mandou, vou falar com ele". Sara responde: "Não faz mal, fica
para a próxima temporada"
24 junho 2019, 14:43h
Luís Filipe Vieira/Miguel Moreira
Luís
Filipe Vieira dá instruções para dizerem que tem um princípio de acordo
(...) diz que a partir daí, já é oficial que dá 120 milhões (…) conta
que depois telefonou o advogado "do gajo" muito aflito, a dizer que não
se pode dizer que é o miúdo (João Félix) que vai pagar, se não o Fisco
vai cair em cima do miúdo…
1 de julho 2020, 23h43
Jorge Mendes – José Mourinho
Mourinho
pergunta que treinador Jorge Mendes vai meter no Benfica e Jorge diz
que está numa guerra aberta com (Luís Filipe) Vieira, porque quer ir
buscar Jorge Jesus. (...) Mourinho diz a Jorge Mendes para não deixar
Jorge Jesus ir para o Benfica (…) Mourinho comenta sobre Laurent Blanc
(...) Jorge diz para Mourinho mandar uma mensagem a Luís Filipe Vieira
sobre Laurent Blanc
Fonte da Notícia: Sábado
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