Joaquim Oliveira era o maior devedor do BES Caimão

A filial do BES nas Ilhas Caimão emprestou 46 milhões de dólares a uma offshore de Joaquim Oliveira que se tornou, de forma oculta, na quarta maior acionista da PT Multimédia em 2004



Um relatório confidencial de 2004 entregue às autoridades bancárias das Ilhas Caimão revela que, dois anos antes da tentativa de compra da Portugal Telecom (PT) pela Sonae, uma companhia offshore detentora da quarta maior posição acionista da PT Multimédia era o maior devedor da filial do BES naquele paraíso fiscal.

A empresa em causa, a Colaney Investments Limited, incorporada em Gibraltar, foi uma das acionistas de referência da então PT Multimédia, dona da TV Cabo e controlada pela PT, sem que nunca tenha sido divulgado publicamente quem estava por trás dessa offshore. Em 2004 a Colaney tinha uma dívida à filial do BES nas Ilhas Caimão de 46 milhões de dólares, de acordo com o documento encontrado nos “Paradise Papers”, um conjunto de fugas de informação obtidas pelo jornal alemão “Süddeutsche Zeitung” e partilhada com o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), de que o Expresso é parceiro em Portugal. Segundo fontes próximas do negócio contactadas pelo Expresso, a Colaney foi um veículo usado por Joaquim Oliveira, dono Olivesdesportos e acionista da Global Media e da SporTV, para reforçar a posição que já tinha naquela subsidiária da Portugal Telecom.

Embora tenha sido mencionada como acionista de referência ao longo dos anos nos relatórios e contas apresentados pela PT Multimédia à CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários), a Colaney Investments Limited nunca fez constar nesses documentos quem eram os seus beneficiários. A 3 de dezembro de 2001, a Colaney adquiriu um total de 3.469.300 ações, o equivalente a uma posição de 2,21%, na subsidiária da Portugal Telecom que era então dona da TV Cabo. O valor da aquisição não foi divulgado mas o negócio deverá ter rondado os 26 milhões de euros, tendo em conta o valor em bolsa das ações da PT Multimédia à época. Antes disso, Joaquim Oliveira já era acionista da PT Multimédia mas com uma posição muito menor: segundo os relatórios oficiais, era dono de metade da Sportinveste SGPS, que por sua vez tinha 1,3 milhões de ações da PT Multimédia.

Quando a Sonae lançou a OPA sobre a Portugal Telecom, a Colaney era a quarta maior acionista da PT Multimédia, a seguir à própria PT (que tinha 57,56% da empresa), ao Banco Totta e Açores (atual Santander, com 9,78%) e ao BES (com 8,27%). Em maio de 2006, três meses depois do lançamento da OPA da Sonae sobre a PT e sobre a PT Multimédia, que tinha como CEO Zeinal Bava, a subsidiária da PT concretizou um aumento significativo do capital social, de 77 milhões para 250 milhões de euros, recorrendo a uma incorporação de reservas — isto é, em que os então acionistas não tiveram de meter dinheiro e com a empresa a usar as suas reservas para emitir novas ações e distribui-las pelos acionistas. Isso fez com que a Colaney passasse de 3,46 milhões para 6,93 milhões de ações, com um ligeiro acerto da sua posição na empresa de 2,21% para 2,24%.

Em maio de 2007, dois meses depois de a OPA (Oferta Pública de Aquisição) da Sonae sobre a Portugal Telecom ter falhado, a Colaney foi redomiciliada para Portugal, adquirindo um novo nome, GRIPCOM, SGPS, e acabou por ser comprada pelo próprio Joaquim Oliveira. Isto é, o empresário passou a assumir publicamente o seu verdadeiro peso na PT Multimédia, onde adquirira entretanto uma participação declarada de 1,53% através da Olivesdesportos, reforçando assim a sua posição oficial para 3,77%. A ter em conta o valor em bolsa da subsidiária da PT à época, de 12 euros por ação, os ativos da Colaney no momento dessa venda rondavam os 80 milhões de euros.

Contactados pelos Expresso, nem Joaquim Oliveira nem Ricardo Salgado, o ex-presidente do BES e antigo líder do Grupo Espírito Santo, quiseram comentar o assunto. Em 2005, a Olivesdesportos de Joaquim Oliveira tinha adquirido por 173,8 milhões de euros 80,91% da Lusomundo Media, detentora do “Diário de Notícias”, do “Jornal de Notícias” e da TSF, à PT Multimédia, com o aval de Salgado, sendo que a PT Multimédia gastou depois 10 milhões de euros para ficar com 5,94% do grupo de media, que foi rebatizado com o nome de Controlinveste Media.


A PONTE COM O MARQUÊS

No despacho final de mais de quatro mil páginas da “Operação Marquês”, com as conclusões em outubro de 2017 da investigação criminal ao caso em que o ex-primeiro-ministro José Sócrates e Ricardo Salgado estão acusados de corrupção, com o banqueiro a ter corrompido alegadamente o chefe de governo por causa da Portugal Telecom e de complexas manobras nos bastidores para manter a operadora de telecomunicações (e a sua subsidiária PT Multimédia) debaixo do controlo do Grupo Espírito Santo durante a tentativa de compra por parte da Sonae, a Colaney nunca é referida, mas há um outro acionista de referência da própria Portugal Telecom que é descrito pelos procuradores como estando envolvido na intriga e que também aparece no relatório confidencial descoberto nos “Paradise Papers”.

Trata-se da Telexpress Investments Limited, uma companhia offshore incorporada nas Ilhas Caimão e que faz parte da lista dos 10 maiores depositantes em 2004 na filial do BES naquele paraíso fiscal. Segundo essa lista, incluída no relatório confidencial entregue às autoridades bancárias locais, a Telexpress Investments tinha depósitos de 12,8 milhões de dólares. Esta offshore adquiriu uma posição de 2,04% da Portugal Telecom em dezembro de 2001 — na mesma altura em que a Colaney entrou na PT Multimédia — por 137 milhões de euros.

Segundo a acusação da “Operação Marquês”, a Telexpress era detida em partes iguais pela Gaulent Holdings, uma offshore do próprio GES, e pela Intertel Investments, uma offshore de Patrick Monteiro de Barros, amigo próximo de Ricardo Salgado que foi acionista e administrador do GES entre 1989 e 1996. Monteiro de Barros assumiu-se como chairman da Telexpress e, por via disso, tornou-se administrador da Portugal Telecom — alegadamente, para defender os interesses do GES. Mas em julho 2006, e, segundo os procuradores, “por estar descontente com a interferência do governo na PT”, o empresário vendeu a sua posição à Ongoing, de Nuno Vasconcellos, ainda antes da OPA da Sonae ter sido chumbada. O facto de Salgado ter continuado a controlar o universo PT terá permitido ao GES beneficiar de mais de 8 mil milhões de euros em dividendos e em empréstimos concedidos pela operadora àquele grupo financeiro até 2014.



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